"Sobre a Transitoriedade" (Freud, 1915)
A Revista Mente e Cérebro de novembro de 2010, n. 214, trouxe a íntegra de um pequeno texto em que Freud fala sobre a vida e a morte. Trata-se de "Sobre a Transitoriedade", de 1915. No texto, Freud relata suas especulações quando passeava com um amigo em um jardim.
O que gerou as especulações de Freud sobre o tema foi o fato do amigo ter-se entristecido diante da efemeridade das flores, momento em que teria dito que a beleza se vai com o tempo. Foi sobre isto que Freud especulou e nos forneceu excelentes motivos para buscar a felicidade... mesmo sabendo-se que a vida está passando.
Freud, em seu relato, diz que o amigo incomodava-se com o fato de toda beleza humana estar fadada a desaparecer com o tempo, ou seja, tudo estava submetido à sina da "transitoriedade", e logo em seguida nos diz que duas noções psíquicas podem surgir quando reconhecemos que tudo o que é belo se deteriora com o tempo: uma levaria à aflição, outra à revolta contra essa fatalidade. Para Freud, entretanto, de alguma forma, nossas mais belas produções materiais e sentimentais resistem à destruição e à morte.
Mas, o que existe por trás da aflição do amigo de Freud? Segundo este, uma "exigência de eternidade". Ora, ainda segundo Freud, se, de um lado, não é possível negar que todas as coisas são transitórias, por outro, por que acreditar que esta transitoriedade destrói a beleza? Nas suas palavras:
Enquanto caminhava com meu amigo, declarei ser incompreensível que a ideia da transitoriedade do belo pudesse turvar o prazer despertado pela beleza.
Então, porque esta exigência de eternidade? Por que exigir que o belo seja eterno e supere o tempo? Neste momento, Freud nos presenteia com duas associações maravilhosas: com o "luto" e com a "guerra".
Sobre o luto nos diz que é um momento em que há uma "rebelião psíquica" que nos tira o prazer pela apreciação do que é belo. O que o amigo estava fazendo nada mais era que experimentar antecipadamente o luto através da ideia de transitoriedade das coisas. E isso, evidentemente, lhe mantinha em certo sofrimento, em certa aflição.
É importante lembrar que, diante de certas perdas, aquela libido que dedicamos a essas pessoas ou objetos perdidos pode não retornar ao "Eu", ficando "aprisionadas" à pessoa morta ou ao objeto perdido, nos impedindo, portanto, de redirecionar nossa libido para outros objetos ou pessoas. Como diz Freud:
a libido se agarra a seus objetos e não quer abrir mão daqueles que foram perdidos, mesmo quando o substituto já está disponível. Isso, portanto, é o luto.
Sobre a guerra, Freud nos lembra (e aqui é importante recordar que este texto foi redigido no contexto da I Guerra Mundial) que ela destrói nosssas belezas, arruína nossa cultura, nos rouba o que amamos, e expõe a efemeridade de todas as coisas. Mas, só nos resta mesmo sofrer diante daquilo que nos foi retirado, daquilo que foi perdido? Ele mesmo responde:
acredito que aqueles que pensam assim e parecem dispostos a uma renúncia permanente ao prazer pelo fato de o objeto valioso não ter se revelado durável, encontram-se apenas em luto pela perda.
Superar este luto, para Freud, é possível e, com isso, redirecionamos nossa libido para outros objetos novos. E Freud finaliza:
Nós vamos reconstruir tudo o que a guerra destruiu, talvez sobre uma base ainda mais firme e de forma mais duradoura que antes.
O que presenciamos aqui, é a luta de um pensador que, neste momento se apega a um sentimento otimista que oferece ao amigo pessimista.
Mas, o que podemos falar sobre isto? Freud nos ensinou que é justamente porque as coisas são transitórias que mais a amamos. Dito de outra forma: se eu sei que posso perder algo (e vou perder) tenho uma grande chance de lhe dedicar mais amor. É por isto que aquilo que amamos não desaparece, nem com sua própria destruição, ou com sua morte.
O sentimento fica conosco, incorporado, não como luto, mas como uma lembrança de que a felicidade é sempre possível, e que pode ser buscada a todo instante.
Mas, pensar assim exige certa sensibilidade, certo contato maior com nossos sentimentos, certa capacidade de olhar com respeito às coisas mais simples, certo respeito ao amor que dedicamos a algo ou alguém.
É dessa forma que agimos hoje? Freud nos diz, em sua última frase do texto, acreditar que podemos reconstruir tudo e sobre uma base ainda mais firma e duradoura. Mas, penso que isso só nos serve mesmo como esperança, como resistência, pois vivemos um momento atual em que a "transitoriedade" já não nos deixa perceber as coisas, as pessoas, os sentimentos.
Hoje, já não é a vida que é transitória, já não é o belo que é transitório. Tudo é transitório e, de uma forma ainda mais cruel, "descartável". O transitório que nos permitia amar e nos apegar às produções culturais, já não nos permite o tempo necessário para isso.
Hoje somos "forçados" a saltar rapidamente de uma preferência para outra, de uma marca para outra, de uma celebridade para outra... Como encontrar o que é belo assim? Como amar algo assim?
A velocidade com que tudo se torna descartável impede a contemplação, tão necessária ao alimento de nosso espírito. A aceleração, por outro lado, nos cria a ilusão de estarmos sempre indo em direção ao futuro, ao melhor, ao perfeito.
Não, não estamos indo nessa direção, estamos abdicando do conhecimento sobre o que é belo e do que é o amor. Já não somos autorizados a nos apegar a nada, nem mesmo a ninguém.
A velocidade das mudanças é tal que, como a fala do esquizofrênico, impede o tempo de "parar" e... refletir, se apegar. Dessa forma, imagino que o transitório hoje, não pode ficar a serviço do descartável, ele tem que voltar a ficar a serviço do que é belo, como dizia Freud.
Seria por isso, também, que estaríamos nos tornando uma sociedade de "autômatos"... incapazes de sentir? Sempre prontos a concorrer, a disputar, a agredir, a ultrapassar o outro, a ter sempre o que é melhor e mais novo.
O "novo" substituiu o "belo"... que pena! Isto é muito ruim para a humanidade. Esta é a nossa guerra. A guerra que Freud presenciou lhe dava esperanças de reconstrução... e esta nossa "guerra", será que nos permite esperanças?
Certamente, mais um belo texto de Freud, que nos faz refletir bastante sobre a realidade atual.
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